17 de set. de 2013

Metas e metáforas



“O futebol é uma metáfora da vida. O futebol é árduo, duro, difícil, cheio de sofrimento e glória redentora ao final. A vida não é um tapete verde, a vida é um campo esburacado.” Poética e filosófica, a célebre reflexão de Eduardo Bueno – o Peninha – se aplica à atual fase do Grêmio, especialmente em face da última partida, amarga derrota para o Atlético Mineiro em plena Arena e em pleno aniversário de 110 anos do clube.

A despeito do mau resultado, terminei de assistir à partida do último domingo repleto de orgulho da equipe – talvez, arrisco dizer, quase tanto quanto o próprio Renato, que invariavelmente exalta o grupo gremista nas coletivas de imprensa após cada rodada. Trata-se, afinal, de um Galo cada vez mais distante daquela “ressaca” que o acometeu em seguida à estupenda conquista da Libertadores e o manteve por rodadas a fio envolto numa aura de apatia e letargia no Brasileirão. É uma equipe de altíssima qualidade, cujos jogadores circulam muito bem a bola, têm um admirável entrosamento e nível de seleção brasileira.

O tricolor gaúcho, por sua vez, realizou uma de suas atuações mais determinadas e aguerridas, especialmente na segunda etapa, quando criou excelentes chances de abrir o placar – todas, entretanto, sumariamente estancadas nas hábeis mãos de Victor, o melhor em campo, cujo desempenho deve ter feito os presentes na Arena sentirem saudade de 2008 e 2009, período em que o goleiro se alçou ao escalão dos melhores do Brasil na posição. O time agrediu mais, procurou com mais afinco o gol adversário, marcou melhor e errou menos fundamentos do que nas partidas anteriores.

A derrota inevitavelmente dói e frustra, sobretudo porque acentua a tendência de polarização na briga pelo título entre Cruzeiro e Botafogo. Mas, aqui, passo a justificar a alusão à metáfora de Peninha – a começar pela chuva, que prejudicou as condições de jogo para ambas as equipes e, por detalhe, não resultou em gol de Vargas, o que talvez mudasse a sorte do confronto. Falando no chileno, sua atuação foi uma grata surpresa, quiçá o melhor gremista em campo. Recém-recobrado de lesão, essa autêntica flecha andina se movimentou, driblou, tabelou, abriu espaços – tudo, enfim, de que o ataque gremista se ressente na presença da dupla Kléber e Barcos, ambos valiosos avantes, mas carentes de velocidade.

Tais reveses nos servem para, não raro, reavaliar possibilidades. Nos nove últimos jogos, são sete vitórias e apenas duas derrotas; como Renato chegou a frisar em uma de suas coletivas, é pontuação de Barcelona. Indiscutível, admirável, animador. Poucas destas atuações, contudo, chegaram a encher os olhos, em que pesassem os três pontos conquistados. Findado o combo de lesões que forçaram Renato a repensar o esquema, acredito que, pouco a pouco, as peças que têm retornado serão reencaixadas no time.

Devidamente explorado seu potencial, não consigo vislumbrar Vargas fora da equipe titular – e, se for o caso, fazendo companhia a Barcos e Kléber, uma vez que o Gladiador costuma ajudar imensamente na recomposição e na marcação. Em 2010, Renato havia estruturado um Grêmio assaz ofensivo que, mesmo vencendo, ainda ganhava a presença do talismã Diego Clementino e seus constantes gols na segunda etapa. Ainda há Elano, Wendell, Paulinho e outros capazes de agregar qualidade técnica às atuações tricolores. Possibilidades que Renato, experiente e inteligente, saberá considerar a fim de somar ao que já foi conquistado nesses dois meses e meio de trabalho.

O que hoje notavelmente falta a nossos setores de meio-campo e ataque é mais qualidade e tranquilidade (“tranqualidade”?) de pensar o jogo, reter e trabalhar melhor a bola sem afobação, lapidando oportunidades de abrir espaço e se infiltrar na área alheia. Exímio exemplo de tal atitude é o gol de Werley, contra o Santos, que classificou os gaúchos às quartas-de-final da Copa do Brasil: trabalho de pé em pé, movimentação, bom posicionamento e oportunismo. Contra o Atlético Mineiro, de chuveiro já bastavam os céus porto-alegrenses, que decerto vertiam lágrimas ao contemplar aquelas frequentes tentativas vãs de ligação direta entre defesa e ataque.


Epílogo: a respeito dos respeitosíssimos 110 anos do Grêmio, vale a leitura do lindo texto que Mauro Beting publicou em seu blog (http://blogs.lancenet.com.br/maurobeting/2013/09/13/gremio-110/).